Friday, October 22, 2010

CARTA ABERTA AOS PASTORES DE DEUS


Por um pedaço de pão e uma xícara de café


Eles até que demoraram muito a aparecer nesta temporada eleitoral. Tão previsíveis como os debates na TV e as baixarias para atingir os adversários, os famosos cafés da manhã de candidatos com pastores e lideranças evangélicas mantiveram seu lugar de primazia entre os meios preferidos de comunicação dos políticos com o povo de Deus.

São baratos, junta gente e é confortável para quem fala calar pelo monólogo os muitos que apenas ouvem. Até parecem uma peste daquelas que a gente pensa que se livrou para, infelizmente, dois ou quatro anos depois – dependendo do calendário eleitoral – aparecer de novo.

Nunca vi café da manhã para pastores em meio de mandato ou antes do Prefeito ou Governador mandarem algum projeto de lei para a Assembléia ou para a Câmara! Até que eles aparecem na época do Natal, mas só no Natal imediatamente anterior à próxima eleição.

Recentemente, fui convidado a participar de um. Aceitei relutante lembrando do último no qual estive há 10 anos e do qual muito me arrependi. Resolvi dar uma chance a quem me convidava e só impus duas condições, pensando eu que o modus operandi dos tais cafés teria mudado depois de tanto tempo.

Disse-lhe que não aceitaria fotografias e filmagens a serem colocados no guia eleitoral sob o título “Pastores apóiam fulano de tal” ou “Evangélicos estão com sicrano de tal” e também que gostaria de interagir com o candidato num colóquio respeitoso, sério e honesto sobre seus pensamentos e propostas.

Visivelmente constrangido o político de tempo integral e “irmão-de-domingo-sim-domingo-não”, ponderou que não controlava estas coisas, mas faria estas observações ao pessoal da campanha e blá-blá-blá.

Fui e me arrependi novamente por meu ledo engano: como participar se tinha uma multidão de pastores, evangelistas, missionários, proto-bispos, apóstolos, dirigentes de círculo de oração, presidentes de denominação, chefes disto, caciques daquilo...? Muitos – com algumas honrosas exceções – ávidos por um beija-mão, apenas. Na verdade, não consegui nem agüentar até o fim.

Ainda bem que, precavido, tomei café em casa, pois até hoje não entendo porque chamam “aquilo” de café da manhã se o político só aparece lá pelas 10 da manhã, enquanto pobres mortais claramente chamados de desocupados pelo descaso da “ótoridade” já o esperam entre bolachas cream-cracker e goles de café desde antes das 8 horas, que seria o horário supostamente marcado para o início.

Cheguei até a pensar numa época dessas que os políticos faziam isto de propósito, tanto para que uns pobres morta-fome pudessem se saciar com as “finas iguarias do rei”, enquanto esperavam o prato principal, como para que, uma vez o auditório lotado, pudesse o candidato chegar com pompa e circunstância, coisa que alguns pastores-estrela e seus asseclas gospel também fazem com esmero, especialmente para dar a impressão de que são executivos da fé sempre muito atarefados com os negócios do Reino.

Todos a postos, começa o culto. Ops! Culto? Pois é, crente tem essa mania. Tudo que faz tem que parecer culto. Se for festa , tem que ser culto-festa. Se for evento político, tem que ser comício-culto ou vice-versa, sei lá! O fato é que um sujeito barrigudo – político por in-vocação e pastor de profissão – começa o culto com uma oração, logo seguida de louvores – mal acompanhados por uns poucos mais fervorosos e displicentemente ignorados pela maioria mais interessada em conversas amenas com os colegas e conchavos políticos intra e extramuros.

Minha paciência se esgota completamente quando uma irmã “candidata-derrotada-a-não-sei-o-quê” é chamada para um louvor especial e resolve “dar uma palavra” para o candidato, afirmando, sabe-se lá com a autorização de quem – a minha, eu certamente não dei! –, que “estamos aqui para lhe dizer Fulano que estamos com você nesta eleição”.

É o fim da picada! Levanto-me, saio junto com alguns poucos “mais sensíveis” e deixo o meu lugar marcado para o próximo café da manhã daqui a.... 20 anos, tá bom?

Esta minha forma meio zangada, meio irônica de narrar o ocorrido mal encobre um profundo sentimento de mal estar e vergonha que sinto quando vejo mais uma vez o povo de Deus trocando seu direito de primogenitura por um pedaço de pão e uma xícara de café.

Refiro-me à maneira como somos, por um lado, amadores e por outro lado, interesseiros, no processo eleitoral e na participação política em geral.

Muitos vão, no máximo, ao ponto de debaterem se o candidato é crente ou se alguém já o viu disfarçadamente fazendo o sinal da cruz em algum culto especialmente convocado para “apresentar o amigo do evangelho” e cabular alguns votos do seu curral eleitoral mal travestido de congregação.

Ultimamente, chegamos ao disparate de perder tempo e energia, além de passar recibo de ignorantes e de intolerantes para todo o mundo, questionando se o sujeito mandou fazer estátuas de demônios em encruzilhadas da cidade ou se ele é ateu, agnóstico ou algo assim, “esotérico-pós-moderno-pluralista-inclusivista”.

Nesse processo, demoniza-se o que for mais à esquerda da escala da ortodoxia, e santifica-se o outro mais à direita, porque se tem uma coisa que os “evangélicos” (Argh!) gostam de fazer é manter o status quo.


Outros – os interesseiros – com um olho nas pesquisas, e outro nos seus interesses paroquianos, pendem para um lado ou para o outro, já pensando naquele “convênio social” com o governo, ou com aquela área destinada a equipamento comunitário ou de reserva verde pronta para ser, casuística e ilegalmente, revertida para “aquele projeto ma-ra-vi-lho-so que vai abençoar muita gente!”

Fecha-se os olhos convenientemente para o passado de um, arregala-se os olhos inquisitorialmente para o do outro.

Nada de debates de idéias, nada de propostas de políticas públicas. Nada de questionamentos sobre o bom uso dos recursos do município ou do estado, nada de participação civil não partidária, nem eleitoreira.

Ah! Triste povo de Deus de tão saudosa e gloriosa história profética, hoje servindo de massa de manobra do Egito contra a Assíria, ou da Assíria contra o Egito, ambas “canas fumegantes prontas a se quebrar”. Onde estão os profetas de Deus diante de quem os reis tremiam ao abrir de suas vozes convocando-os ao que é reto e justo?

Viraram cachorrinhos mansos, comedores de migalhas de pão nas cozinhas dos mandatários de plantão!

Basta! É preciso que nos respeitemos para ser respeitados. É preciso que façamos valer a nossa voz profética tronituando por justiça social, por respeito a princípios de respeito à liberdade religiosa, à família, à separação Estado-Igreja etc, que construíram a nossa civilização ocidental e particularmente, o nosso país.

É preciso que nos façamos respeitar não pelos números grandiosos e superestimados – diga-se de passagem – da membrezia de nossas igrejas, as quais são inflacionadas seja para massagear o ego dos nossos líderes megalomaníacos, seja para disfarçar que grande parte dos arrolados estão também arrolados em outras comunidades.

Protestantes não têm papa. Logo, não tem quem fale em nome “dos evangélicos” ou “dos pastores”. Somos um movimento de homens livres em Cristo, sacerdotes de si mesmo diante do Trono do Único Soberano, em cuja direita senta o Sumo Sacerdote da nossa confissão.

Deixemos de ser risíveis, tolos. Deixemos de ser espertos, desprezíveis.

Façamos Política com ”P Maiúsculo”, discutindo interesses do povo em geral e não apenas dos nossos guetos religiosos.

Façamos Política com “P Maiúsculo”, pressionando autoridades, por quem também devemos orar, com o objetivo de fazê-las ouvir a Igreja, consciência do Estado, em tempos de eleição e, principalmente, quando no exercício do mandato que lhes outorgamos pelo voto.

Separemo-nos do furor policandis, do afã ambicioso da sala do trono, e estejamos na rua servindo em nome do Rei. Temos quadros nas nossas comunidades para servir ao Estado? Temos espaços nas nossas instalações para servir ao povo? Então nos ofereçamos como o samaritano do caminho ou como o estaleiro que recebe o moribundo com fome e sede de justiça.

Façamo-nos representar como segmento importante da sociedade não através de cargos comissionados que calam a nossa boca, mas por meio de representantes dos nossos anseios, valores, crenças e princípios. Não somos melhores, nem piores do que qualquer outro segmento social. Não queremos privilégios, mas também não nos submeteremos a discriminações ou exclusões, de quem nunca dialogou conosco e só nos procura quando precisam do nosso voto.

Unamo-nos em torno de pessoas cujo perfil e história de vida se credenciem por si mesmas, evitando que candidaturas independentes do crivo do povo de Deus através daqueles chamados para supervisioná-lo, não sejam múltiplos e concorrentes projetos personalistas de alguns sujeitos que não deram prá nada e aí “tiveram uma revelação” que Deus está lhes chamando para ser vereador, deputado... Já não nos bastam o que se dizem “evangélicos” (Argh!) e nos envergonham com uma vida moral dupla, com posturas vendidas a interesses pessoais inconfessáveis?

Respeitemos os nossos púlpitos de onde deve emanar a Palavra de Deus, santa e verdadeira, para a pregação do Evangelho de Jesus e só. Não os ofereçamos para qualquer filho de Belial, soprado por algum ponto eletrônico de um marketeiro qualquer, falar “amém” e “aleluia”, a fim de passar por irmão na fé e enganar os incautos.

Respeitemos o povo de Deus. Eles já não nos respeitam como outrora, porque não temos sido como o Bom Pastor que vendo o lobo o afugenta. Muitos têm aberto a porta do aprisco para os lobos-candidatos-vestidos-de-ovelha tomarem o melhor do rebanho, que não é a lã do voto, e sim a singeleza da confiança que têm em nós, seus pastores.

Finalmente, arrependamo-nos diante de Jesus, a quem iremos prestar contas do nosso ministério. É a Ele que devemos temer, porque “antes importa obedecer a Deus que a homens”.

Que Deus tenha misericórdia de sua Igreja e da nossa Paraíba. Votemos com a nossa consciência. Quem ganhar receberá mais do que um mandato de todos. Receberá também as orações e o apoio de quem quer servir a Deus e ao próximo.

Porém, não receberá um cheque em branco para fazer o que quiser. Sejamos vigilantes e não negociemos nem a fé, nem os nossos princípios.

Seu conservo pastor, com humildade e temor,

Robinson Grangeiro Monteiro
Ministro Presbiteriano

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