Sunday, November 28, 2010

Lei da Homofobia


(editorial da Folha de São Paulo de 28/11/2010)

Legislação deve punir atos de discriminação contra homossexuais, mas precisa ser equilibrada para para não ferir a liberdade de opinião

Desde 2006 tramita no Senado Federal, depois de já aprovado pela Câmara, o projeto da chamada "Lei da Homofobia", criminalizando atitudes resultantes de "preconceito de sexo, orientação sexual e identidade de gênero".
A polêmica em torno do assunto ganhou intensidade nas últimas semanas. Houve, em primeiro lugar, as justificadas reações de choque e de repúdio diante dos recentes casos de agressão, supostamente por preconceito antigay, de jovens na avenida Paulista. Pressionar pela aprovação da Lei da Homofobia surge, assim, como forma de dar vazão institucional às condenações que o episódio justificadamente suscita.
Reações contrárias ao projeto, contudo, surgem nos setores religiosos, que contam com a crescente influência da bancada evangélica para barrar a iniciativa.
Nos dois lados do debate, há quem se veja vítima de censura e preconceito. O direito constitucional à liberdade de expressão e consciência, sem dúvida, é um dos valores que cumpre reiterar na análise do assunto.
Na verdade, a chamada Lei da Homofobia constitui-se de uma ampliação, no que diz respeito à orientação sexual, de um texto em vigor desde 1989, punindo atos e manifestações de preconceito racial. Trata-se de uma espécie de reforço a direitos de grupos que já encontrariam proteção na Carta e em códigos vigentes.
Há um risco potencial de que a aplicação dessas legislações fira o princípio da liberdade de expressão, embora não conste que ele tenha sido, até aqui, afrontado.
Do mesmo modo, espera-se que ninguém estará impedido pela nova lei de considerar o homossexualismo atentatório aos mandamentos de Deus; até a Bíblia teria de ser censurada, nesse caso.
Depende do bom senso do Ministério Público e da magistratura a aplicação adequada da lei. Há de se considerar, ademais, o excessivo rigor nas punições, que chegam a vários anos de cadeia, em casos que não são de violência física -quanto a estes, sempre foram coibidos pelo Código Penal.
A aplicação sensata da lei, tal como foi redigida, ou a busca de um acordo razoável em torno de possíveis modificações em detalhes do texto, evitariam os inconvenientes reais ou imaginários que se antepõem à sua aprovação.
Mas o bom senso e o equilíbrio são, sem dúvida, as primeiras vítimas quando está em jogo, mais uma vez, a explosiva mistura de sexualidade e religião. Dessa verdadeira neurose do mundo contemporâneo, o Brasil tem-se saído razoavelmente bem, dada a autoimagem, nem sempre confirmada na prática, de tolerância que cultivam seus habitantes.
É essencial preservá-la; mas, a julgar pela celeuma com relação ao projeto, e pelos recentes casos de perseguição a homossexuais, o espectro da intolerância resiste e se renova sem descanso.