Tuesday, May 08, 2007

O Adversário

A Veja desta semana (09 de maio de 2007) traz a resenha de um livro recém-lançado de Emmanuel Carrère. É a história de um francês Jean-Claude Romand que vive uma vida dupla.

O ponto de partida deste comportamento patológico que culminou com o assassinato da sua mulher, dos seus pais e dos seus filhos acontece quando no segundo ano de medicina perde um dos exames finais e finge, a partir daí, que sua vida segue o rumo normal como se nada tivesse acontecido.

Ele inventa uma mentira que havia se formado, arrumado um emprego na OMS (Organização Mundial de Saúde) e assim por diante, mas tudo desmorona 15 anos depois quando aparecem problemas financeiros decorrentes de um estilo de vida alto demais para quem não tinha renda nenhuma e vivia dependendo da ajuda eventual de outras pessoas.

O grande valor pedagógico da obra reside, por um lado, na delimitação da fronteira entre a mitomania - patologia que torna a mentira em plena verdade para quem vive nela - e a simples desonestidade, comportamento ético indesejável e inaceitável.

Por outro lado, é também da sobreposição destes dois aspectos que a história extrai o título - O adversário - e o grande enigma: até que ponto as ações do ser humano são explicadas pela sua índole, pelo seu meio e pela influência espiritual maligna.

O resenhista encerra seu comentário fazendo uma alusão à expressão "adversário". Ele afirma que "não designa um oponente comum, mas o maior de todos... Um inimigo que Romand não quis, não pôde ou não soube combater".

A pergunta, então, é: a quem responsabilizar quando o mal toma conta das atitudes e dos comportamentos de alguém?

Basicamente, a Biblia ensina que a fonte primeira do mal é o adversário que veio para matar, roubar e destruir, mas responsabiliza o ser humano por seus atos, pois a influência maligna pode ser resistida e evitada.

Tentação não é pecado. O pecado do diabo nesta equação é nos tentar e induzir ao pecado. O pecado do ser humano é cometer os atos de pecado.

No caso do mitomano, que é uma doença, o quadro clínico não fica muito claro, se é de origem biológica - o que é muito improvável - ou de natureza psicoadaptativa, isto é, comportamento adquirido, a partir de relacionamentos deficientes em termos de isolamento familiar, inadequação social e sexual e assim por diante, o que acaba por distribuir a responsabilidade por outras pessoas além do indivíduo, mesmo que não exclua sua responsabilidade pessoal.

Em resumo - porque o espaço não permite longas digressões - ninguém deveria excluir a sua própria responsabilidade pessoal em qualquer momento de sua vida e dos fatos nela envolvidos. Na verdade, a melhor maneira de ser enganado e engolfado por um redemoinho existencial sem volta é assumir que a culpa é dos outros, a culpa é do diabo, a culpa é dos pais, a culpa é do governo, a culpa é de Deus...

Primeiramente, porque descobrir culpados é bem menos produtivo do que descobrir responsáveis, visto que a responsabilidade pelo equívoco coloca sobre o colo do indivíduo a libertadora responsabilidade do conserto, mesmo que careça - como de fato carece - de uma ação divina sobre ele.

Desta forma, se não há responsabilidade pessoal não há imputabilidade e como haverá solução, se não há problema? Como esperar de alguém que estenda a mão, se não acha que está perdido e precisando de ajuda?

Além disso, a culpa é imobilizante, porque produz a certeza do erro, mas não oferece a esperança da solução. A culpa é corrosiva porque interioriza a consciência do que se fez de errado, mas não permite a exaustão do erro, visto que forma um labirinto de onde não se tem saída.

Esperança há quando se constata que onde abundou o pecado, superabunda a graça de Deus, única saída que não despreza a responsabilidade do indivíduo, mas ao mesmo tempo lhe oferece a oportunidade de recomeçar.

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