Wednesday, August 15, 2007

Infanticídio e Aborto




Eu sei, eu sei... que alguém pode simplesmente me questionar logo de cara, ou melhor, logo "de título" que uma coisa não tem nada a ver com outra... que infanticídio é uma coisa e aborto é outra, mas me dê uma chance de tecer um argumento aqui para você.

Na revista Veja desta última semana (edição 2021) pode-se ler uma reportagem sobre a prática do infanticídio em tribos indígenas do Brasil com a conivência da FUNAI, pretensamente sob o argumento de que é uma prática cultural que não pode e nem deve ser mudada, mesmo que seja para salvar uma criança da morte.

A seguir, alguns trechos:

"O infanticídio é comum em determinadas espécies animais. É uma forma de selecionar os mais aptos. Quando têm gêmeos, os sagüis matam um dos filhotes. Chimpanzés e gorilas abandonam as crias defeituosas. Também era uma prática recorrente em civilizações de séculos atrás."

"Entre os índios brasileiros, o infanticídio foi sendo abolido à medida que se aculturavam. Mas ele resiste, principalmente, em tribos remotas – e com o apoio de antropólogos e a tolerância da Funai. É praticado por, no mínimo, treze etnias nacionais. Um dos poucos levantamentos realizados sobre o assunto é da Fundação Nacional de Saúde. Ele contabilizou as crianças mortas entre 2004 e 2006 apenas pelos ianomâmis: foram 201."

"Há três meses, o deputado Henrique Afonso (PT-AC) apresentou um projeto de lei que prevê pena de um ano e seis meses para o "homem branco" que não intervier para salvar crianças indígenas condenadas à morte. O projeto classifica a tolerância ao infanticídio como omissão de socorro e afirma que o argumento de "relativismo cultural" fere o direito à vida, garantido pela Constituição. "O Brasil condena a mutilação genital de mulheres na África, mas permite a violação dos direitos humanos nas aldeias. Aqui, só é crime infanticídio de branco", diz Afonso. Ao longo de três semanas, VEJA esperou por uma declaração da Funai sobre o projeto do deputado e as histórias que aparecem nesta reportagem. A fundação não o fez e não justificou sua omissão. Extra-oficialmente, seus antropólogos apelam para o argumento absurdo da preservação da cultura indígena. A Funai deveria ouvir a índia Débora Tan Huare, que representa 165 etnias na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira: "Nossa cultura não é estável nem é violência corrigir o que é ruim. Violência é continuar permitindo que crianças sejam mortas".

Onde eu quero chegar?

Que o infanticídio é algo terrível e moralmente injustificável não há dúvida. É algo semelhante a barbáries como a eugenia praticada pelos nazistas e as limpezas étnicas acontecidas recentemente nos Balcãs durante as guerras envolvendo Sérvios, Montenegrinos, Kosovos etc. Ninguém tem, sob pretexto político, econômico ou religioso, o poder de decidir quem morre e quem vive baseado em argumentos da primazia do mais forte, do mais capaz.

Que os missionários cristãos - que salvaram algumas das crianças das fotos acima -, as autoridades brasileiras - especialmente a FUNAI - e a sociedade civil organizada deveriam engajar-se numa campanha que intervisse nessa prática cultural dos índios, tanto quanto deveriam intervir na exclusão social de milhões de crianças nos centros urbanos brasileiros também não há qualquer dúvida.

A pergunta é: "Se a principal razão para esta intervenção é impedir a morte de inocentes incapazes de decidir viver e lutar pela vida - e que por isso estão sob a dupla tutela do Estado, porque são crianças e porque são índios - por que não há a mesma grita - inclusive da Veja e da grande mídia - contra o aborto indiscriminado que se pretende aprovar? Não teria o nascituro não indígena e urbano o mesmo direito à vida que, inclusive é cláusula pétrea da Constituição?"

Fica a pergunta, porque eu acho que toda essa discussão trazida de volta à baila principalmente pelo ministro da Saúde esconde interesses econômicos, políticos e ideológicos inomináveis!

3 comments:

Mythus said...

Antes de tudo, bem vindo de volta!

Depois eu comento com calma esse post! ;)

Mythus said...

Olá Pastor!

Agora, com m pouco de mais calma, posso comentar o post.

Coincidentemente, numa conversa bastante informal entre amigos, falávamos sobre aborto, anencefalia e início da vida do indivíduo.

Acredito que se cada pessoa se pronunciasse a respeito desse assunto, milhares de opiniões diferentes surgiriam, mas numa visão bem simplista (e politicamente viável para defesa desses interesses) as pessoas acabam se dividindo entre "pró-vida" e "pró-escolha" e conciliar esses argumentos com moral e ética, sem religião -- já que teoricamente vivemos em um estado laico, não a afastamos, mas não deve ser um fundamento para o legislador -- não é uma tarefa simplória. O problema intensifica ainda mais porque religião é um fator que também norteia a moral e a ética, assim, ainda que "ignorada", sua influência é inafastável. Por isso, como o senhor apontou, é um contrassenso a forma que a lei trata o índio, colocando-o como incapaz (há divergência sobre a incapacidade absoluta ou relativa) ou capaz a depender da integração à sociedade civil.

Para mim, da mesma forma que sou forçado a interagir com o mundo, com a cultura do mundo, com o pensamento do mundo, ainda que com a preservação de algum folclore regional, entendo que o índio também deveria sofrer esse processo pelo mesmo motivo que eu sou impedido de permanecer preso a um momento no tempo, numa era de trevas sem os "benefícios" (e malefícios) da modernidade. Tratam o índio como um bicho que pode fazer qualquer coisa sem ser responsável, fazendo de escudo sua cultura ancestral em face de atos que qualquer um seria condenado, ainda que dissesse ser uma "tradição da família". Acredito que seja perfeitamente viável e aceitável que o índio conheça o mundo em que vive e viva pelas regras do Estado como qualquer outro cidadão, porque não deixa de ser índio aquele que deixa de ser ignorante da realidade que o cerca.

Sobre o aborto, acho que vou deixar para outra oportunidade, pois esse comentário já está virando um post. Só gostaria de perguntar uma coisa: para o senhor, quando no corpo a alma (e o espírito) começa(m) a habitá-lo?

Robinson said...

Mythus,
Vamos por partes - como diria Jack, o estripador!!!
1. A participação de cada cidadão e particularmente daqueles que formam opinião é indispensável em questões complexas como esta.
2. Esta participação não seria igualitária, porque a manipulação dos meios de comunicação e dos lobbies poderosos é real, porém daria uma idéia de quem realmente "manda" neste país.
3. O Estado é laico, mas não precisa ser anti-religioso. Ser laico não significa necessariamente coibir ou reprimir expressões religiosas que fazem parte da origem e do desenvolvimento da "alma" de uma nação, no que refere-se a determinados valores éticos.
4. A tentativa de tutela da população indígena por uma pretensa incapacidade tem sido demonstrada equivocada ao longo da história do Brasil. Tem condenado o índio brasileiro à miséria, ao controle de uns poucos burocratas da FUNAI cujas intenções nem sempre apontam para o que é melhor para o índio e de uns poucos antropólogos cuja ideologia é claramente anti-cristã. Seria necessãria uma outra política de integração do índio com respeito a aspectos culturais fundamentais para sua identidade (língua, religião, valores etc.), do mesmo jeito que acontece com contingentes imigracionais, nos quais se percebe essa integração variando de pessoa para pessoa, de comunidade para comunidade.